A palavra hooligan tem origem incerta. Segundo o dicionário Oxford da língua inglesa, esse termo pode estar relacionado com o sobrenome (Hoolihan) de um personagem irlandês brigão que foi protagonista de uma série de tirinhas de um jornal britânico ou, então, com o sobrenome de Patrick Hoolihan, um proeminente ladrão irlandês da época, entre outras possíveis origens.
Futebol e violência
Desde o seu surgimento, quando ainda aldeões da era medieval juntavam-se em épocas comemorativas para divertir-se chutando uma bola feita a partir de uma bexiga de porco inflada, o futebol e as brigas generalizadas em torno desse esporte dividiam o mesmo contexto. A partir de 1890, esses conflitos passaram a ser identificados como hooliganismo.
Surgido no século XIII, na Inglaterra, o futebol era um evento que reunia diferentes famílias de terras vizinhas e comumente se tornava uma maneira semilegítima de resolver pendências que podiam estar relacionadas com disputas de terras ou agressões tribais. Os eventos envolvendo o futebol no período medieval ocorriam em paralelo com datas comemorativas, e era comum o abuso no consumo de bebida alcoólica, que terminava, na maioria das vezes, com feridos ou mesmo vítimas fatais. A violência era tolerada, sendo vista como comportamento natural dos participantes do esporte.
No entanto, a partir do século XIV, o futebol, que havia crescido em números de praticantes, passou a sofrer tentativas de controle. O esporte violento, que agora era praticado nas novas cidades que surgiam próximas a mercados, trazia confusão e terror a compradores e mercadores, o que não era bom para os negócios. Casos de saques e violência generalizada também não eram raros e, a partir disso, a violência passou a ser combatida, mas sem muito sucesso.
Foi apenas no século XVII que o futebol, após uma forte campanha de educação voltada para crianças que também participavam das violentas partidas, passou a ser regido por regras e regulamentos pautados pelo “cavalheirismo” e pelo espírito esportivo. Entretanto, embora “higienizado”, o ambiente do esporte ainda era permeado por ares de fortes disputas.
Tendo se alastrado por toda Europa entre os séculos XVIII e XIX, o futebol tornou-se uma paixão continental em que times rivais enfrentavam-se diante de grandes plateias. A rivalidade entre torcidas estava geralmente associada à posição social e era tão visível nessa época quanto as divisões de classes. Nos países nórdicos, como a Suíça, embora o cavalheirismo, inspirado nos ideais britânicos, fosse o comportamento em voga, a segregação entre a classe trabalhadora e os mais abastados era clara e berrante em meio às torcidas. As demonstrações de revolta quando os eventos ocorriam passaram a ser temidas pelas autoridades, que viam a possibilidade de uma partida de futebol tornar-se o estopim de uma revolta das massas, mas com outras motivações sociais.
Violência nas Torcidas.
As segregações por classes que ocorriam nas torcidas anteriormente se instauraram de outra forma a partir de 1960. O ressurgimento de um sentimento de patriotismo e xenofobia invadiu o meio esportivo do futebol e suas torcidas. Grupos que se identificavam por sua origem ou ideologia viam no futebol e na torcida a oportunidade de confrontar diretamente seus rivais unidos debaixo de uma bandeira e um ideal comum, em busca de um sentimento de pertencimento, legitimidade ou simples dominância sobre os outros grupos. O termo “hooligans”, que havia sido cunhado em 1890, era agora atribuído a esses grupos que se digladiavam em torno da cultura do futebol europeu.
Foi em 1960 que as torcidas de futebol europeu começaram a demonstrar um nível de organização que não havia antes. Brasões, bandeiras, slogans, hinos e cânticos que exaltavam a torcida, e não propriamente o time, surgiram. As torcidas consideravam-se distintas de tal forma que, mesmo as que torciam pelo mesmo time, diferenciavam-se e brigavam entre si.
O holiganismo era visto por seus participantes como um esporte em si mesmo. Hierarquias entre grupos e torcidas eram formadas de acordo com o sucesso de cada grupo em suas empreitadas violentas. Ainda hoje os hooligans persistem, mesmo com os enormes esforços do governo para tentar frear e acabar com os embates. Contudo, a juventude confusa e perdida da nova classe média que se estabeleceu no decorrer das últimas décadas ainda vê um ponto de apoio e familiaridade dentro desses grupos.
Muitos sociólogos e pesquisadores que analisam e/ou viveram aquela época ressaltam a força extrema exercida pelos policiais. Inclusive, alguns dizem que era para dar um fim em todos os confrontos, impondo medo nos desertores.
Muito ao contrário disso. Os hooligans faziam tudo isso por simples prazer. Era a vontade de descontar tudo em cima de outra pessoa, além da sensação de euforia causada pela adrenalina durante as brigas. Eles não se importavam – até gostavam – de quando tinham de lutar contra torcedores rivais e/ou policiais.
As primeiras grandes “batalhas”
O primeiro grande problema que chamou a atenção de todos foi antes do confronto entre Chelsea e Tottenham, em 1975. Eles estavam perigando a ter que jogar a segunda divisão na temporada posterior. Os Spurs venceram por 2 a 0, mas não foi este o foco depois do jogo.
Antes do apito inicial, torcedores se enfrentaram brutalmente. O palco foi o próprio gramado do White Hart Lane. O campo virou um ringue para milhares de espectadores inocentes sofrerem com os atos brutais dos hooligans.
Ainda em 1975, o Leeds foi mais um dos times ingleses que foram prejudicados por sua torcida, já que chegaram a ser banidos de todas as competições europeias por cinco anos. Tudo isso depois que o vandalismo de seus torcedores tomou conta do estádio Parque dos Príncipes e, posteriormente, das ruas de Paris na derrota para o Bayern de Munique na final da Liga dos Campeões.
Em 2000, o sociólogo britânico Anthony Giddens veio ao Brasil e participou do programa Roda Vida, da TV Cultura. Quando perguntado sobre o vandalismo causado pelos hooligans na Inglaterra, ele disse:
A VIOLÊNCIA NO FUTEBOL INGLÊS VEM DE LONGA DATA. EU SOU FÃ DO FUTEBOL. QUANDO EU TINHA SETE ANOS, FUI VER UM JOGO PELA PRIMEIRA VEZ, NO NORTE DE LONDRES, EM UM DOS GRANDES CLUBES – AINDA TORÇO POR ELE. NO JOGO, O QUE EU VI? HOOLIGANS NA PARTE SUPERIOR, JOGANDO MOEDAS COM EXTREMIDADES AFIADAS. ELES ARREMESSAVAM AS MOEDAS NAS PESSOAS EMBAIXO. ELES ATIRAVAM FOGOS DE ARTIFÍCIO NAS PESSOAS EMBAIXO. ERAM FOGOS EXPLOSIVOS. NA SAÍDA, HAVIA GENTE BRIGANDO – EU VI UMA BRIGA FEIA–, ISSO EXISTE DESDE QUE EU COMECEI A TORCER. ISSO É ALGO BEM ANTIGO, NÃO É FÁCIL ACABAR COM ISSO, HÁ TRADIÇÕES DIFERENTES ENVOLVIDAS. NA ESCÓCIA, NÃO EXISTE ESSA TRADIÇÃO DE BADERNEIROS.
Em outra pergunta, ele completou:
A REGIÃO DE ONDE VIM, O NORTE DE LONDRES, TINHA UM MISTO DE CLASSE OPERÁRIA E CLASSE MÉDIA. FICÁVAMOS APAVORADOS COM AS GANGUES. ELES USAVAM NAVALHAS, CORRENTES DE BICICLETA, VAGAVAM PELOS PARQUES PROCURANDO QUEM ESPANCAR. ISSO FOI HÁ TRINTA ANOS. NÃO SE DEVE SUPOR QUE ERA UMA SOCIEDADE PACÍFICA [E HOUVE] UMA TRANSIÇÃO PARA UMA SOCIEDADE SEM LEI. MAS ALGUMAS MUDANÇAS SÃO REAIS E PERTURBADORAS. NO MOMENTO, NÃO TEMOS NO REINO UNIDO BOAS SOLUÇÕES EM CURTO PRAZO PARA ISSO
Como pode ter percebido, os hooligans não foram extintos. Embora haja um controle maior da polícia, os confrontos entre eles não findaram.
Porém, a proporção dos confrontos vandalismo diminuiu. Veja então no próximo episódio da série, quando falaremos mais sobre a Tragédia de Heysel!
Como o filme Hooligans (em inglês, Green Street Hooligans) retrata muito bem, os torcedores marcavam de se encontrar para o combate. Cada grupo se encontrava em pubs – os bares ingleses, que se tornavam palcos de estratégias e bebedeiras – exclusivos. Eles tomavam posse daquele espaço e não deixavam que nenhum rival entrasse ali.
FONTE: YouTube BrasilEscola, PremiereLeagueBrasil
terça-feira, 3 de março de 2020
HOOLIGANISMO.
Postado por
Alex Soldier
às
02:20